terça-feira, 18 de agosto de 2009

"Como você punirá aqueles cujo remorso já é maior do que os seus crimes?" (Kahlil Gibran)

Sentou-se, o relógio no alto marcava 17:45, pediu um café, procurava mostrar-se forte, mas por dentro havia uma série de sentimentos desconexos, um frio lhe percorria a espinha, tal qual um adolescente prestes a dar seu primeiro beijo, tinha um medo colossal que tudo desse errado e pressentia o pior. Mesmo assim não perdeu a esperança de que aquele encontro seria o início do resgate de sua felicidade, um encontro consigo mesmo, a libertação de seu ethos mais puro e sincero, talvez o único que pudesse torná-lo feliz novamente.

Alguns minutos após, ela apareceu, altiva, firme, mas demonstrava no olhar um pesar, quase um luto, talvez porque soubesse que estava prestes a sepultar aquele que um dia fora seu grande amor, em alguns instantes iria pela última vez encarar os olhares inconvenientes de Carlos, inconvenientes porque traziam neles um sentimento que por muito tempo ela carregou mas que agora se foi, perdeu-se na areia do tempo.

- Alguns minutos de conversa se passaram até que:

Carlos - Ângela reconsidere, reconheço, eu errei, mas se errei foi pelo medo de te perder, quis deixar que você vivesse e aproveitasse seus momentos, não quis te privar de nada, para um dia poder tê-la por completo pelo resto de nossas vidas.

Ângela - Não quero mais, você é muito caos para o meu mundo, seu jeito incorrigível, amargo. Eu só preciso de paz, mesmo que sozinha e solitária. Meu caro, não tenho medo em dizer-lhe: Foi o amor da minha vida . Porem, mudei de vida e nela não há espaço para o nosso amor.
Aquelas palavras atingiram Carlos como disparo de arma de fogo, a cada palavra sentiu sua alma sendo atravessada, rasgada, e nada pode fazer, ficou impossível mostrar-se firme, em cada lágrima que derrubava, expressava a derrota, sentia sua alma escorrendo sob seu corpo e se esvaindo pelo ralo da racionalidade, não sabia definir o que sentia, e desta maneira Ângela deu um forte abraço em Carlos e enxugou suas lágrimas, era curioso, aquele que se orgulhava por jamais ter chorado na presença de estranhos, estava ali, chorando copiosamente em frente a dezenas de estranhos.

Ao ser abraçado por Ângela pensou que mesmo aquilo sendo um "prêmio de consolação" jamais esqueceria a sensação de tê-la novamente nos braços. Mesmo frio e distante sentiu por alguns poucos segundos o calor da mulher que amava.

Ângela - Bom agora me vou, e Carlos, gostaria que você soubesse que possivelmente nós não nos veremos mais.

Carlos - Ângela , antes de ir gostaria de te dizer mais uma coisa.

E por alguns instantes era notória a dificuldade que enfrentava, não conseguia falar aquilo que estava literalmente engasgado na garganta.

Ângela - Não precisa, talvez seja melhor que acabe assim.

Carlos - Não, eu quero dizer que não me arrependo de nada que fiz nem do que falei, quero te dizer que se um dia você mudar de idéia e quiser me ver que não tenha medo, pois foi exatamente esse medo que me tirou você, em qualquer momento de nossas vidas, me procure, pois só então eu poderei ser feliz. E queria dizer que vou sempre te esperar... Porque... Eu... Te Amo.

Estas últimas palavras foram seguidas por um soluçar de choro contido vergonhosamente por Carlos que tentava reservar o mínimo de dignidade que lhe restava.

E assim viu a mulher de sua vida se afastando, partindo para nunca mais voltar, sentia que junto com ela, perdia parte de si, não mais poderia ser o cara alegre que fora nos últimos anos, e que todas as incontáveis vezes que sonhou antes de dormir com o dia em que conseguiria tê-la em seus braços de forma definitiva, que cada um dos versos que fizera em sua homenagem foi em vão, em última instância o que restou fora talvez um grande sentimento de pena por parte de sua amada, e nada pior na vida do que ser digno de pena pensava Carlos.

Foi pra casa e tão logo entrou já foi pro chuveiro, entre as milhões de coisas que lhe passavam na cabeça lembrou de uma música que fazia todo o sentido pra ele naquele momento.

" So I thread the needle in my hands
Sowing my debt to the hoursands "

Sentia-se exatamente assim, pagando seus débitos com as areias do tempo. Quantas oportunidades teve de procurá-la, um telefonema, um e-mail, quantas vezes teve a oportunidade de fazer uma loucura pra mostrar pra ela que a amava e sonhava com ela constantemente, mas não... Acovardou-se, e só teve coragem de externar seus sentimentos e fazer todas as loucuras possíveis quando já era muito tarde, quando estas loucuras já não mostravam mais o amor que sentia, mas sim, todo o desequilibro que o acometeu.

Sabia que nada pior para um homem do que viver a dor do arrependimento, saber que o único culpado pela sua infelicidade era ele mesmo, jamais se perdoaria por isso. Saiu do banho e fez algo que se tornaria rotina daquele momento em diante, pegou uma pedra de gelo, um copo de whisky, seu maço de cigarros, fechou a janela do quarto, apagou a luz, colocou uma música num volume razoavelmente alto e deixou ao seu lado a caixa de calmantes para quando o álcool já não mais pudesse consolá-lo; E ali ficou, acompanhado de sua dor.

*Meses Depois*

7:00 AM, sábado, um horário atípico para estar acordado, a vida de Carlos mudara completamente em alguns meses, fora promovido no trabalho, mais responsabilidades e uma remuneração interessante, algumas mulheres passaram pela sua vida, era visto como um homem sério e respeitável por elas e por aqueles que o cercavam, estava em "franca expansão, se tornando um homem bom e honrado" segundo um grande amigo numa homenagem prestada a ele e alguns outros no grupo em que faziam parte. Tinha seu tempo tomado por constantes viagens e reuniões com pessoas importantes, tinha tudo pra ser um homem feliz e realizado, e o era aos olhos dos mais próximos, despertava a inveja de alguns e admiração de outros.

Mas o que aquelas pessoas não imaginavam é que tudo aquilo não era capaz de diminuir a dor e a desilusão que faziam parte do dia a dia de Carlos, não tinha um dia sequer que ele não lembrasse de Ângela, via suas fotos, e era assombrado pelos fantasmas do seu passado, fantasmas criados e libertos única e exclusivamente por sua própria culpa. Mantinha a mesma rotina, mas com doses cada vez maiores de álcool e calmantes, alias só dormia sob efeito dos mesmos, vivia uma mentira, enganava todos a sua volta fingindo ser feliz e realizado na esperança de talvez se convencer disso, mas no fundo tinha perdido tudo que o motivava a viver, e estava ali, dia após dia num teatro macabro que a vida lhe impôs, esperando quem sabe por um e-mail ou telefonema de Ângela para reacender a chama da vida que cada vez mais se apagava em seu peito.

Mas ali estava, em meio a manhã fria que se apresentava, sentado em frente ao computador, Carlos bebia o que restava do seu whisky, ao som de uma música melancólica que mais parecia um diálogo com sua consciência.

"Would you look at me now?
Can you tell me I´m a man
With these scars on my wrists
To prove I´ll try again...
Try to die again... Try to live through this night...
Try to die... again..."

Tinha consciência de tudo, do quanto sua vida havia mudado, do quanto deveria ser feliz, e principalmente do quanto estava agindo de forma destruir tudo aquilo que havia conquistado... Estava prestes a dar a cartada final com o destino, não conseguia mais suportar tudo aquilo, já não dormia direito nem com ajuda dos calmantes, já não anestesiava sua dor nem sob efeito de doses cavalares de álcool, nada mais adiantava, estava enlouquecendo, sabia que era um caminho sem volta, pegou o embrulho preto que guardava no fundo do armário, Desde o momento que o guardou imaginou que um dia ele seria útil.

*Horas Depois*

Entardecia, quem passava pela rua estranhava aquele homem sentado na calçada, barba mal feita e feição triste, catatônico olhando para o nada, até o momento que criou coragem, esperou um condômino abrir o portão para entrar com o carro e entrou, cumprimentou o indivíduo demonstrando naturalidade e subiu, no alto de um escada longa e estreita apertou a campainha e ali estava, linda, mesmo com os cabelos rebeldes e a cara amassada de quem fora acordada naquele instante, se mostrava completamente espantada com a visita inesperada, ficou indecisa se permitiria ou não que Carlos entrasse em sua casa.

Ângela_ O que quer aqui? – Ângela via na sua frente uma pessoa completamente perturbada, com olheiras saltando aos olhos, barba mal feita, e uma feição completamente diferente do que já havia visto em Carlos e isso começou a deixá-la preocupada.

Carlos_ Conversar; Preciso que você me deixe ser feliz novamente, em todo esse tempo jamais deixei de pensar em você, vivo assombrado pelos fantasmas que eu sei, eu mesmo criei, mas de qualquer forma só você pode me libertar deles, por favor querida, me deixe torna-la a mulher mais feliz do mundo.

Ângela_ Pelo amor... De novo tudo isso, Carlos por favor, não me faça repetir tudo de novo, você já teve todas as chances que pôde, infelizmente acordou tarde demais, eu queria muito ainda ser aquela que amava você para quem sabe ser a mulher que você procura, mas os tempos são outros, por favor, vá embora.

Carlos_ Não faça isso, você não faz idéia do quanto esses dias estão sendo difíceis pra mim, ter uma vida que todos julgam quase perfeita e ter que agir como tal mas no fundo ser um maldito infeliz remoendo o passado, você não sabe...

* Foi abruptamente interrompido por Ângela que bradou em alto tom de voz *

Ângela_ Você acha mesmo que eu não sei o que é isso? Já se esqueceu de tudo que passei por SUA culpa? Desculpe, mas você parece não se lembrar, sinto muito não ser a mulher que você gostaria que eu fosse, mas não se esqueça que por muito tempo você não foi o homem que eu gostaria que você fosse, gostaria muito que nós dois tivéssemos tido o “time” certo, mas não foi assim ok, então chega, CHEGA, entendeu? Não agüento mais tudo isso, que hoje seja a última vez que fazemos isso.

Carlos_ E será a última vez...

Abrindo o embrulho preto sacou de um revolver, apontou para Ângela e disse:

Carlos_ Desculpe, vim disposto a acabar com tudo isso, de uma forma ou de outra, não agüento mais, eu sei da dor que lhe causei, eu sei que hoje ela é toda minha... mas eu sei que não tive um só dia em que não me lembrei de você com pesar, e que frequentemente acordo abraçando o travesseiro e me desiludo ao perceber não ser você, que tentei tudo, absolutamente tudo pra te esquecer e a cada dia aumenta minha dor, eu te amei, sempre te amei, e não fui capaz de mostrar isso, eu errei muito com você, e talvez eu mereça cada segundo dessa dor, mas sou fraco e de uma forma ou de outra isso vai acabar, hoje...

Carlos parecia completamente transtornado, suas mãos tremiam, chorava enquanto falava e demonstrava estar completamente fora de si.

Ângela_ Calma, não faça isso... isso é loucura.

Carlos_ Sim, vivo uma loucura há tempos, e só quero me ver livre dela. Sinto muito que acabe assim, eu teria te dado o mundo se você permitisse, não culpo você, sei que em tudo isso só existe um único culpado, e esse sou eu, mas poderia ter sido tudo diferente, me desculpe.

Carlos engatilhou a arma, Ângela fechou os olhos pressentindo o pior, e então:

_NÃO – O grito foi seguito pelo barulho surdo do disparo, o som seco do corpo caindo no chão, a vizinha derrubou o copo de café que bebia no susto e correu pra ver o que acontecia e ao abrir a porta chocou-se com uma cena que ela sem dúvida jamais esquecerá. Um corpo caído no chão, um ferimento na cabeça que sangrava muito rapidamente e no canto da sala estava Ângela sentada no chão, abraçada em seus joelhos chorando, catatônica desacreditando aquilo que via.

E assim se encerra, aquilo que outrora seria um grande romance apaixonado, resumido a um capítulo dramático no livro da vida...

No bolso da jaqueta de Carlos, como uma memória póstuma havia uma carta endereçada a Ângela com os seguintes dizeres:

Ângela, diante de tudo isso só me resta dizer uma coisa: Desculpe. Abaixo uma singela lembrança que deixo em minha memória.

Os versos que te dou

Ouve estes versos que te dou, eu
os fiz hoje que sinto o coração contente
enquanto teu amor for meu somente,
eu farei versos...e serei feliz...

E hei de faze-los pela vida afora,
versos de sonho e de amor, e hei depois
relembrar o passado de nós dois...
esse passado que começa agora...

Estes versos repletos de ternura são
versos meus, mas que são teus, também...
Sozinha, hás de escuta-los sem ninguém que
possa perturbar vossa ventura...

Quando o tempo branquear os teus cabelos
hás de um dia mais tarde, revive-los nas
lembranças que a vida não desfez...
E ao lê-los...com saudade em tua dor...

hás de rever, chorando, o nosso amor,
hás de lembrar, também, de quem os fez...
Se nesse tempo eu já tiver partido e
outros versos quiseres, teu pedido deixa
ao lado da cruz para onde eu vou...

Quando lá novamente, então tu fores,
pode colher do chão todas as flores, pois
são os versos de amor que ainda te dou.

FIM