segunda-feira, 23 de março de 2009

No Olho do Furacão

Me atrevendo a rascunhar algumas linhas...

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No Olho do Furacão.

Ali estava, sentado no chão, no canto de seu quarto sujo e empoeirado, que há dias não era tocado pela luz, tendo como companhia apenas uma garrafa de whisky e alguns maços de cigarro que quase ininterruptamente eram acesos, talvez como uma tentativa chula de acalmar o grito que destruía seu tórax e queimava sua alma, ou talvez essa fosse uma forma de tentar dar cabo de si mesmo, mesmo que lentamente, o mais longe que sua covardia lhe permitia chegar.

Olhando para o copo vê suas digitais, talvez alguém que olhasse para elas diria com convicção a quem pertenciam, mas nenhuma ciência no mundo o reconheceria se o visse naquele instante, sua armadura outrora rachada, virara pó, e todo seu castelo desmoronara, aquele que por muito tempo fora o juiz que proferia verborragicamente pareceres sobre os que estavam a sua volta havia se tornado réu. Naquele instante não se preocupava com o labor que o aguardava no dia seguinte, o gosto amargo do trago lhe trazia de volta a realidade, ele era um fracasso, o que mais importa?

Fecha os olhos e mais uma vez como no mito de Prometeu que foi preso e condenado por Zeus no alto de uma montanha, aonde todos os dias uma águia gigante vinha comer-lhe as vísceras que eram regeneradas a noite, ficando fadado a sofrer por toda a eternidade, via mais uma vez aquilo que estava com todas as suas forças tentando esquecer, todas as vezes que fugiu, que foi covarde, do sofrimento que causou a ela e as cenas se sobrepunham, como testemunhas de um grande julgamento onde não há chance de absolvição.

E o tempo passa... Minutos... Horas, aquele homem cada vez mais depravando sua existência... Reconhece seu erro, mas isso não é o suficiente, ainda sente na carne a dor daquelas unhas que lhe tiraram sangue, queria revidar, queria sentir raiva, queria odiá-la... Quem sabe assim se libertaria da culpa, mas no fundo ele sabia, de nada adiantaria, isso seria apenas vestir outra armadura e correr pra outro castelo, devia enfrentar, pelo menos dessa vez, provar pra si mesmo que era capaz, que a amava e que enquanto tiver forças iria continuar lutando, nesta hora lembrou-se de algo que foi a faísca que lhe faltava para acender novamente a chama da esperança em seu peito, lembrou-se daquela voz doce lhe dizendo:

_ A qualquer preço, me ouviu bem?

Levantou-se decidido a encontrá-la, tomou um banho gelado e saiu, deixou o carro na garagem, pois sabia que não teria condições de dirigir, chamou um táxi e partiu rumo ao espetáculo, e pela primeira vez em muito tempo sentia-se esperançoso e vislumbrando um final feliz. Entrou no táxi, anunciou seu destino e foi observando a noite, em meio a solidão das ruas percebeu que não havia lua no céu, tampouco estrelas, e uma garoa fina começara a cair, todo aquele clima de trevas sufocou a esperança que havia no seu coração, seu olhos umideceram.

Já estava bem próximo ao local, o trânsito estava infernal, pessoas e carros se amontoavam ferozmente, pagou o táxi, desceu e fez o restante do trajeto correndo, minutos depois estava em frente à entrada, olhou o portal e teve medo, quis voltar, desistir, acendeu um cigarro, respirou fundo e entrou. Começou a andar a esmo, afinal não tinha nenhuma pista de onde ela estaria... Deu-se por conta que seria quase um milagre conseguir encontra-la ali, entre milhares de pessoas... Mas era exatamente disso que precisava, de um milagre.

Quase uma hora se passara e ele continuava ali, em meio à multidão que festejava, procurando por sua amada, as pessoas naquele contexto não tinham rostos, eram apenas espectros malignos que estavam impedindo-o de encontrar sua amada, tinha a impressão de ver no olhar delas uma felicidade sádica ao olhar pra ele, como se todos ali soubessem o que fazia ali. De repente teve a impressão de ter visto sua amada, sua alma começou a arder e correu em sua direção, mal sabia ele que era a isca final, a mais recente piada do destino, foi tirando tudo e todos do caminho, ao chegar próximo a uma armação de metal, viu que se enganara, era apenas uma pessoa qualquer, mas foi nessa hora que começou a ouvir aquela música...

Pediu a Deus que fosse engano, qualquer coisa menos aquilo, lembrou de tudo o que sonhara um dia dizer a ela ao som daquela musica, começou a chorar copiosamente, já não enxergava mais as outras pessoas apenas andava. Antes que a música chegasse à metade não suportou, sentiu o céu caindo sob seus ombros, caiu de joelhos em meio a terra e a grama molhada, chorando pediu a Deus que o libertasse do sofrimento, queria tirar aquela dor do peito nem que pra isso precisasse arrancar seu coração com as próprias mãos, e por mais que as pessoas se aproximassem tentando acalma-lo ele só pedia pra ser ignorado, encostou-se na armação de metal e ali ficou, catatônico, já não ouvia mais música alguma, não via mais ninguém, as pessoas passavam por ele, alguns tropeçavam por engano mas ele não esboçava reação alguma e ali ficou como se sua alma tivesse abandonado seu corpo, e talvez ela o tenha feito... talvez não fosse digno dela...

Quando recobrou a consciência olhou ao seu redor, não havia mais música alguma, não havia mais milhares de pessoas, talvez centenas, extasiadas de alegria já nem se davam ao trabalho de se preocupar com o pobre infeliz de roupas sujas e olhos inchados, e naquele momento ele percebeu... Falhara novamente... Levantou, olhou para a chave que trazia presa a um cordão pendurada no peito, lembrança de uma jura de amor feita no passado que ele não estava disposto a esquecer. Colocou seu chapéu e saiu sem nenhuma pressa, afinal, mais uma vez falhou como em tudo o que tinha feito até então... Começou a andar e repetiu pra si mesmo:

_ A qualquer preço.

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